David Howman: "Há uma maior vigilância ao doping"

Entrevista com David Howman, director-geral da Agência Mundial Antidopagem
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Nestes dez anos que mudou no desporto e na luta contra o doping desde o caso Festina?

A primeira mudança foi a criação de um organismo independente de supervisão e coordenação: a Agência Mundial Antidopagem [AMA]. A se-gunda foi a elaboração de um código mundial antidoping, que orienta os regulamentos dos desportos, em todos os países. Há também uma maior vigilância ao doping : mais testes, mais informações, mais interesse dos media, mais escrutínio do público... Tem havido muito esforço e no ciclismo alguns problemas estão a desaparecer. Outros continuarão até que se esfume uma certa mentalidade ligada à dopagem. Isso demorará gerações.

O que aconteceria ao desporto se deixasse de ter uma agência internacional dedicada a este assunto?

Daria um grande passo atrás. Regressaríamos ao ponto em que o público não saberia o que realmente se passava. Poderia haver coisas a serem varridas para debaixo do tapete, situações em que atletas de elite não seriam punidos porque os dirigentes dessas modalidades decidiriam que não era bom para os seus desportos. Não haveria controlo.

Houve alguma mudança na forma como o público, os media e os políticos vêem o doping?

Penso que sim. Os políticos, em particular, tem sido muito prestáveis, porque viram que se trata também de um problema de saúde pública, que não são só pessoas do desporto de elite que usam substâncias dopantes: adolescentes, pessoas que vão aos ginásios, responsáveis pela segurança, etc. Compram grande parte das substâncias na Internet, onde não há regulação sanitária. Não têm ideia de onde e como são feitos esses produtos.

Ao nível científico, a AMA ainda está atrás dos batoteiros?

Em muitas substâncias a AMA já está na frente. Haverá algumas em que os peritos que trabalham para os batoteiros continuarão a ter uma pequena vantagem, pois o único desafio que têm é ajudar batoteiros a fazerem batota, enquanto nós nos temos perceber como pensam os batoteiros. Mas essa vantagem diminuiu ao ponto em que, quando agora alguém opta pela dopagem, corre muito mais riscos do que há dez anos.

Quais são os maiores desafios científicos?

Continuar a melhorar as análises à eritropoietina, porque actualmente há cerca de 30 variedades, melhorar o teste à hormona de crescimento e resolver questões relacionadas com cocktails de dopantes. Temos também o desafio da testosterona sintética, principalmente a usada em adesivos dérmicos. E haverá desafios originados pelo avanço da ciência. Temos de estar atentos e investir na investigação.

A AMA orçamento suficiente?

Qualquer organização na nossa situação dirá que seria bom ter mais, mas creio que não nos podemos queixar. Foi-nos confiado um trabalho e dado um orçamento. O que fazemos é gerir o que temos com muito cuidado, investir em projectos que são de grande prioridade. E costumamos fazer parcerias com governos e desportos, opção que nos tem trazido bastantes sucessos.

As organizações antidoping têm cada vez mais custos legais. Pode a dopagem tornar-se numa luta essencialmente jurídica?

Cada caso com audiências em tribunais pode resultar em gastos com advogados. Mas também creio que este tipo de casos é um alerta para as pessoas: se pensam em gastar muito dinheiro, é bom que ponderem e o façam com os argumentos certos. Por exemplo, Floyd Landis gastou três milhões de dólares e apresentou-nos uma defesa baseada em fantasias em vez de provas factuais.

É possível reforçar a luta antidoping sem violar os direitos individuais?

Sim. E espero que continuemos a assegurar que sejam respeitados os direitos individuais e os da sociedade. Mas claro que, quando olhamos para os direitos individuais, eles têm de ser balanceados com o bem público. Essa ponderação tem de ser feita em todos os casos.

Quais são os próximos passos da agência?

A revisão do código, que entra em vigor em Janeiro do próximo ano, e o relatório sobre a con- formidade dos organismos desportivos e dos países em relação ao actual código. Em 2007, a AMA faz dez anos e temos de analisar o que fizemos no passado e estudar o que teremos de fazer no fu- turo.

Tem insistido para que se faça algo contra o tráfico de dopantes. Já obteve resultados?

Estamos a concluir o memorando de entendimento com a Interpol. O congresso deles reúne-se em Outubro, e nessa altura será finalizado. Teremos um agente especial na sede deles, em Lyon, que irá incentivar os países a partilharem informação e a adaptarem as leis a este problema. Será um grande avanço, uma vez que sabemos que o crime organizado ganha muito dinheiro com o tráfico, porque em muitos países não é ilegal, e que tem como alvo a sociedade e não o desporto profissional.

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